Capítulo 11 Deriva Genética
Weber et al. 2000. doi: 10.1016/S0960-9822(00)00759-4
Hoelzel et al. 2020. doi: 10.1046/j.1420-9101.2002.00419.x
11.1 Deriva genética aleatória
Uma vez que populações reais não são infinitas, as frequências alélicas se modificam de uma geração para a seguinte em decorrência do acaso, i. e., devido a erros de amostragem.
Considere dois indivíduos (\(N = 2\)), diplóides (\(2n\)), heterozigotos (\(Cc\)) reproduzindo sexuadamente, e com o tamanho populacional constante (produzindo dois filhos, i. e., cada indivíduo substituindo a si mesmo).
A frequência do alelo recessivo pode sofrer uma mudança em relação à geração parental (\(F_0\)) dependendo da composição genotípica da prole (\(F_1\)), que depende simplesmente do acaso.
Assim, teremos que:
Não haverá evolução …
… quando \(q_1 = q_0\), com probabilidade igual a \(\frac{6}{16}\).
Haverá evolução …
.. quando \(q_1 \ne q_0\), com probabilidade \(1-\frac{6}{16}\), sendo a chance de aumento ou diminuição da frequência alélica proporcionalmente igual, \(\frac{5}{16}\) cada, uma vez que a distribuição é simétrica.
Se uma população é infinita, não haverá erros de amostragem, e assim a frequência alélica de um determinado alelo na geração inicial \(p_0\) será igual a frequência desse alelo na geração seguinte \(p_1\), e permanecerá constante por conta do princípio de Hardy-Weinberg.
E a mudança na frequência alélica geracional em populações infinitas (\(\Delta p\)) será:
\[\Delta p = p_1 - p_0 = 0\]
Contudo, Se uma população é finita, nem todos os cruzamentos possíveis de serem obsarvados no pool gênico irão de fato ocorrer por conta de efeitos estocásticos, de forma que a frequência alélica \(p_0\) em uma geração não será igual a frequência \(p_1\) da próxima geração.
E a mudança na frequência alélica geracional em populações finitas (\(\Delta p\)) será:
\[\Delta p = p_1 - p_0 \ne 0\]
Como a deriva genética decorre de erros de amostragem, cada população irá evoluir de forma diferente (considerando tamanhos populacionais iguais).
11.2 Prevendo o acaso
Hayden et al. 1980. PMID: 6447365
Greeff 2020 doi: 10.1111/j.1469-1809.2007.00363.x
Hollfelder et al. 2020. doi: 10.1186/s12915-020-0746-1
A deriva genética resulta de erros de amostragem que surgem sobretudo quando os gametas se unem para produzir descendentes, sobretudo quando a população é pequena, onde um número limitado de gametas se unem para produzir os indivíduos da próxima geração. O acaso influencia quais alelos estão presentes nesta amostra limitada e, desta forma, os erros de amostragem podem levar a mudanças na frequência alélica.
Como os desvios das razões esperadas são aleatórios, a direção do acaso é imprevisível.
Considere um locus gênico com dois alelos, \(A\) e \(a\), com frequências alélicas \(p+q=1\), uma geração \(t\) qualquer de uma população de tamanho \(N\), com \(2N\) gametas em seu pool gênico, de forma que o número de alelos \(A\) na população seja igual \(2pN\).
A probabilidade exata de que o número de alelos \(A\) permaneça igual a \(2pN\) após uma geração de amostragem aleatória pode ser estimada pela fórmula geral para a distribuição binomial, onde \(P\) é a probabilidade de \(k\) sucessos dado a probabilidade \(p\) de sucesso em \(n\) eventos, de forma que:
\[\begin{equation} P \left( k | p, n\right) = \binom{n}{k} \cdot p^k \cdot q^{n-k} \tag{11.1} \end{equation}\]
O parâmetro \(\binom{n}{k}\) é o número total de combinações que os \(k\) sucessos podem se apresentar no universo \(n\) de eventos, de forma que:
\[\begin{equation} \binom{n}{k} = \ ^nC_k = \frac {n!}{k! \left( n-k \right)!} \tag{11.2} \end{equation}\]
De forma geral,
\(n!\) é o fator que inicia a contagem do número de maneiras pelas quais o evento pode ocorrer,
\(k!\) é o fator que encerra a contagem do número de maneiras pelas quais o evento pode ocorrer, e
\(\left( n-k \right)!\) é o fator que remove eventos duplicados (i. e., em diferentes arranjos).
Perceba que, na formulação da probabilidade binomial, \(q\) é a probabilidade de fracasso, onde \(q = 1-p\).
Assim, em uma população de tamanho amostral \(N=10\), e logo um pool gênico com \(2N=20\) gametas, com uma frequência alélica \(p=0.8\)…
… a probabilidade de que a frequência do alelo \(A\) permaneça inalterada na próxima geração, i. e., que seja igual à \(2pN = 16\), será:
\[ \begin{aligned} P \left( 16 | 0.8, 20\right) &= \binom{20}{16} \cdot 0.8^{16} \cdot0.2^{4} \\ &= \frac {20!}{16! \cdot 4!} \cdot 0.8^{16} \cdot0.2^{4} \\ &\approx \frac {2.43290 \times 10^{18}}{2.09228 \times 10^{13} \cdot 24} \cdot 0.02815 \cdot 0.00160 \\ &\approx 4845 \cdot ×0,000045 \\ &\approx 0,21820 \end{aligned} \]
11.3 A magnitude do acaso
Embora é mais provável que as freqüências alélicas mudem de uma geração para outra, na verdade, é a magnitude da mudança que importa.
A probabilidades de frequências alélicas de uma geração para a próxima em populações de tamanhos variados mostra que a amplitude da distribuição diminui à medida que o tamanho da população aumenta.
E assim também diminui, à medida que o tamanho da população aumenta, a quantidade de mudança devido a erros de amostragem.
A direção da mudança é imprevisível – as frequências alélicas aumentam e diminuem estocasticamente ao longo do tempo.
Quando a mudança ocorre, a amostragem para produzir a próxima geração será centralizada no novo valor de frequência alélica \(p\), com uma variância (dispersão) estimada de:
\[var(p) = \frac{p \left( 1-p \right)}{2N_e}\]
Como em um jogo com dados, em qualquer locus, a deriva pode sortir alelos a partir de uma geração para a seguinte até um alelo ser totalmente fixado ou perdido. O tempo necessário para que isso ocorra depende das freqüências iniciais dos alelos e, é claro, do tamanho da população.
Assim, a cada geração, uma população que tenha um alelo fixado (e.g., \(p=1\)) ou perdido (e.g., \(p=0\)) permanecerá desta forma uma vez que a variação genética foi exaurida (\(q = 1-p = 0\) ou \(q = 1-p = 1\), respectivamente), a menos que novos alelos surjam por mutação ou entrem na população por migração.
Por outro lado, uma população que permanece com um locus segregante (e.g., \(0<p<1\)) irá produzir uma dispersão nas freqüências alélicas na geração seguinte, que por sua vez terão novamente alelos fixados para locos alternativos, enquanto outros permanecerão segregantes.
À medida que passa o tempo, uma fração cada vez menor de locos continuarão segregantes. E após um número suficiente de gerações, a maioria dos locos terão um alelo fixado.
Em populações maiores, o espalhamento progressivo das freqüências alélicas e o acúmulo de locos fixados ocorrem mais lentamente.
O tempo médio necessário para a fixação de um alelo, como mostrado por Kimura e Ohta (1969), depende do tamanho da população e da frequência do alelo, de forma que:
\[\bar{t}_1\left(p\right) = - \frac{1}{p} \left[ 4N_e \left( 1-p \right) \ln \left( 1-p \right) \right] \]
Assim, para um alelo que tenha acabado de surgir na população, com frequência mínima $p = $, temos:
\[\bar{t}_1\left(p \rightarrow 0\right) = 4N_e \]
Outra maneira de pensar a deriva genética é considerar a taxa na qual a variação é perdida.
Dada a heterozigosidade inicial da população \(H_0\), a heterozigosidade após \(t\) gerações \(H_t\) pode ser calculada como:
\[H_t = \left( 1- \frac{1}{2N_e} \right)^t \cdot H_0 \]
Espera-se que a heterozigosidade diminua, a cada geração, em uma fração \(\frac{1}{2N_e}\).
Assim, quanto menor o tamanho efetivo (\(N_e\)) da população, mais rápida a heterozigosidade será perdida.
Em suma:
As frequências alélicas flutuam aleatoriamente de uma geração para outra;
Eventualmente, alelos iniciais são fixado e outros são perdidos;
A heterozigosidade esperada diminui ao longo do tempo;
A taxa de desvio está diretamente relacionada ao tamanho efetivo da população.
11.4 Gargalo populacional
O’Brien et al. 1987. doi: 10.1073/pnas.84.2.508
Menotti-Raymond & O’Brien 1993. doi: 10.1073/pnas.90.8.3172
Dobrynin et al 2015. doi: 10.1186/s13059-015-0837-4
Gargalo da população ou gargalo genético é uma redução acentuada no tamanho de uma população devido a eventos ambientais ou atividades humanas.
Tais eventos podem reduzir a variação no pool genético de uma população; a partir de então, uma população menor, com menor diversidade genética, continua a passar genes para futuras gerações de descendentes por meio da reprodução sexual.
Como a população pode se recuperar após o gargalo, precisamos levar em conta essa mudança ao longo do tempo na medida de N, principalmente devido a perda de heterozigotos por deriva gênica.
Assim o tamanho efetivo da população (\(N_e\)) é a média harmônica dos tamanhos populacionais a cada geração, de forma que:
\[N_e = \frac{t}{ \sum_{i=1}^t \frac{1}{N_i} } \]
Onde \(N_i\) é o tamanho da população na \(i\)-nésima geração, e \(t\) é o número de gerações decorridas.
\(t_1\) | \(t_2\) | \(t_3\) | \(t_4\) | \(t_5\) | \(N_e\) | |
---|---|---|---|---|---|---|
Constante | 1000 | 1000 | 1000 | 1000 | 1000 | 1000.0 |
Gargalo (curto) | 1000 | 250 | 1000 | 1000 | 1000 | 625.0 |
Gargalo (longo) | 1000 | 250 | 250 | 250 | 1000 | 357.1 |
11.5 Efeito fundador
Halverson & Bolnick 2008. doi: 10.1002/ajpa.20887
Estrada-Mena et al. 2009. doi: 10.1002/ajpa.21204
Bégat et al. 2015. doi: 10.1371/journal.pone.0132211
O efeito fundador é a perda de variação genética que ocorre quando uma nova população é estabelecida por um número muito pequeno de indivíduos de uma população maior.
Nestes casos um pequeno grupo de migrantes que não é geneticamente representativo da população da qual eles vieram se estabelece em uma nova área.
11.6 Simulando a deriva genética
Veja como simular a deriva genética passo-a-passo [aqui][Simulações em genética de populações].
11.7 Exercícios
11.7.1 Exercício 1 – Probabilidades
Em uma pequena população com 20 indivíduos foi verificado que quatro indivíduos eram portadores de um alelo recessivo \(a\) em um determinado lócus gênico autossômico.
Qual a probabilidade de que, na próxima geração, o alelo \(a\):
Matenha a sua frequência atual?
Seja perdido?
Seja completamente fixado?
Seja ainda menos frequente do que o alelo dominante \(A\)?
11.7.2 Exercício 2 – O camundongo e o elefante
Uma espécie animal diplóide, que se reproduz sexuadamente, apresenta uma população com 1000 indivíduos. A análise de um locus gênico autossômico revelou a presença de dois alelos polimórficos igualmente frequentes e que a população se encontra atualmente em equilíbrio de Hardy-Weinberg.
Na ausência de forças evolutivas, qual seria o coeficiente de endogamia desta população daqui a dez mill anos se esta espécie fosse:
O camundongo doméstico (Mus musculus), com um tempo médio de geração de 1 a 2 anos?
O elefante africano (Loxodonta africana), com um tempo médio de geração de 25 anos?
Ainda, quanto maior seria a endogamia nessas populações se elas tivessem passado por um gargalo populacional que tivesse reduzido o tamanho das populações em 90%:
Nos últimos 20 anos?
Nos últimos 200 anos?
Nos últimos 2000 anos?